Carpinteiros do Universo

O Intervalo do Carpinteiros do Universo

De 2018 até 2023, um intervalo. Gostaria de ter dito que eram reticências. Aqueles  três pontinhos que a gente deixa para um possível recomeço. Só que não foi bem, o meu universo entrou em colapso. Guerras internas surgiram, me afastei de mim, me perdi dentro de mim mesma, não conseguia voltar para casa.

Complicado perder a chave de casa, mais complicado ainda é quando se fica sem casa.  Me sentia perdida dentro de mim mesma, tive que lutar para reencontrar um novo caminho. Nestes anos repletos de sombras, tive que me reinventar a mim mesma. Me vesti de resiliência, costurei a resistência, teci novos destinos e tentei encontrar a luz.

Eu que sempre fui Carpinteira do meu Universo, precisei desbravar a minha própria escuridão a fim de poder recomeçar. Minha alma adoeceu, meu corpo padeceu, entrei um buraco negro. Fiquei fora de órbita, virei ainda mais marciana do que sempre fui. A sensação de não pertencimento, de ser estrangeira a mim mesma. O reflexo refletido no espelho, apenas escombros do que já fui. Ao meu redor havia confusão, medo e uma ansiedade sempre batendo no teto. A depressão me fazia companhia, a minha culpa de estimação e os medos que cresciam como erva daninha por todos os lados.

Procurava por saúde mental, mas a minha alma estava carente de propósito. Sem saber mais o meu sentido de vida, fiquei anos apenas sobrevivendo.  Escutando os médicos, tantos diagnósticos, bulas diversas de tantos remédios que faziam um colorido que embotava o meu estômago e transformaram a minha jornada em uma luta inglória por viver minimamente.  A doutora dizia que a tal da bipolaridade é que fazia a minha imaginação brotar, agora medicada, minha criatividade tinha ido embora. Afinal era fruto dos estados ditos de mania, onde segundo ela a minha arte era apenas reflexo de uma bipolaridade não tratada.

Diante da doutrinação da médica, engavetei os meus sonhos. Fechei a minha alma para balanço, desisti de escrever. Por mais que tentasse organizar algum verso, era tantos remédios que me deixavam sem personalidade. Me sentia uma marciana robô que tentava sobreviver  no automático.  Cumpria minhas tarefas a base de antidepressivos, ansiolíticos, remédios para dormir, antipsicóticos. Sentia que tinham levado embora a melhor parte de mim, a minha criatividade. Eu que sempre fui dona de uma mente hiperativa, mal sabia quem eu era. O que me manteve viva foi os meus melhores amigos, meu marido e os meus pais. Por mais complicado que fosse, por mais tentador que fosse a ideia de desistir, de alguma forma resisti.

Neste tempo de caos e medo, me afastei não só de mim mesma, me afastei do Divino. Descrente de tudo, minha alma se revoltou e fiquei cada vez mais distante do meu lado. Mas como voltar para a luz? As novas crônicas irão percorrer essa complexa jornada de fazer as pazes consigo mesma. Reconstruir escombros, varrer fantasmas, encontrar novos destinos. Mas, posso dar um spoiler e dizer que nada é simples e para quem já conhece um pouco do meu trabalho, sabe que eu vou me vingar da melhor forma possível. Vou fazer arte, colocar no papel tudo que vivi. A minha revolução será silenciosa, mas profunda. Através das palavras, ideias surgirão e irão criar revoluções. Escrever sobre a luta interna por saúde mental decente não é uma luta minha. A minha arte agora é para dar voz a todas as pessoas silenciosas e censuradas por profissionais que vendem a “cura” e criam um exército de robôs. 

Pessoas altamente educadas, ficam embotadas e não dão trabalho. Elas ficam enclausuradas dentro de si mesmas, acabam por serem doutrinadas em consultórios. Diagnósticos diversos, drogas que prometem qualidade de vida, comentários absurdos como se deve viver.  Os profissionais ditam uma espécie de manual de instruções de como se deve viver, se comportar e esquecem de nos falar dos efeitos colaterais. Quais são os danos? Como se curam as cicatrizes? Como se floresce? Como se recomeça?

Tinha mais dúvidas do que certezas, mas tinha uma luz fraquinha dentro de mim, quase transparente, mas que de tempos em tempos se transformavam em furta cor. Destas matizes apagadas, mas coloridas, haviam cores de esperança. Quando se perde tudo, a gente descobre que o fundo do poço pode  ter molas. No meu fundo do poço fiz um bunker, arquivei um retorno e ele seria triunfa. Não tinha data para a estréia, mas eu estenderia um tapete tecido de retalhos de crochê coloridos, retalhos do que fui e precisava vir a ser de novo. Lá estariam a minha criatividade, autenticidade, resistência, resiliência, espiritualidade, sonhos, projetos, utopias e vaga-lumes. Iria voltar, sei que iria só precisava descobrir o caminho para casa.

Foram 5 anos sendo diagnosticada de forma errada, sem escrever, veio o recomeço. Lutei tanto para retornar que eu vou contar o meu segredo. Sempre soube que era marciana, mas eu sabia no fundo que eu era uma mulher/menina dentro do Espectro Autista. Como sabia? Por mais embotada que pudesse estar, sempre cultivei com afinco o meu autoconhecimento, isso faria parte do meu retorno triunfal. Depois de 33 anos, ressurgi, renasci e retornei.

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