Uma menina dentro do Espectro Autista Parte I
Sou uma menina dentro do Espectro Autista. A criança interior que habita dentro de mim, insiste em levar a vida com bom humor. Ficava angustiada em pensar que ao me tornar adulta iria me perder, isso aconteceu muitas vezes,, mas eu aprendi a voltar para casa.
Quero compartilhar um pouco do meu desenvolvimento, vou traçar uma linha do tempo. Nasci em 02.01.1990, era uma bebê que quase não chorava e ao sair de casa quase de forma imediata pegava no sono. Na maior parte do tempo era obediente, quieta, mas muito curiosa. Fui cercada de arte desde o útero da minha mãe. Sempre rodeada por livros, músicas e filmes. Isso criou uma base cultural importante para o que viria me tornar.
Repleta de amor e cuidados pelos meus pais, avós e dindos. Gostava desde muito pequena de seguir uma rotina, ter horários para fazer as coisas e me desorganiza se isso saia do controle. Preferia brincar sozinha, espalhava meus brinquedos pelo apartamento. Cada canto se transformava em cenário para as minhas novelas da Barbie.Portadora de uma imaginação ativa, criava desde muito cedo tramas, enredos e personagens. Antes mesmo de aprender a ler, “mergulhava” nas histórias contadas pelos meus pais.

A entrada na escola foi o grande marco que mudou a minha existência. Até os quatro anos o meu dia a dia era ficar em casa ou passar um tempo com a família de uma tia que cuidava de mim e os eventos sociais eram as visitas nos meus avós e os passeios pela cidade. Tudo isso, acompanhado pelos meus pais, tenho uma conexão muito forte com eles. O que gera segurança e amparo. Convivi muito pouco com crianças até os meus quatro anos, mas não sentia falta alguma de ter alguém para brincar. Tinha meus amigos imaginários, Chaves e Chapolin como seriado favorito, Tv Cultura e os desenhos animados. A espera ansiosa do retorno do meu pai nos finais de tarde, para poder me esbaldar brincando de Lego.
Tudo mudou quando algo novo surgiu, a escola.Tinha quatro anos quando me deparei com crianças da mesma idade que eu, na realidade isso não fazia a menor diferença. Se elas não me incomodassem, podia ficar de boa brincando sozinha. Sempre me senti bem na minha própria companhia, mas fui forçada a socializar em vários momentos. Isso me colocou em uma posição estranha, sempre me senti diferente, não conseguia me encaixar.O fato de usar um tapa olho nesta fase,foi uma espécie de se tornar um alvo. Foram inúmeras tentativas da minha mãe em trazer amigos para minha vida, seja para pousar na minha casa, aniversários, passeios, mas eu simplesmente não gostava. Nestes momentos eu desligava a minha mente a ponto de algumas vezes literalmente dormir ao estar na presença de outra pessoa. O que compensava o sofrimento da escola era poder voltar para casa com o meu avô. Ele é o meu herói, me ensinava sobre os animais, a natureza e conhecia todo mundo da cidade. Eu achava que ele era um rockstar, ao seu lado iria vencer qualquer desafio.
A escola se tornou menos massante quando ingressei no mundo das letras. Aprender a ler e escrever tornou tudo bem mais extraordinário. Tinha sede de conhecimento, me tornei uma leitora voraz e aos onze anos para driblar a violência da escola comecei a escrever. Sofri em diversos momentos, mas hoje percebo que a raiz é a mesma. A dificuldade em socializar, conviver, manter amizades, seguir normas sociais.

Talvez nesta época eu nem sabia o que era camuflar sentimentos, mas me lembro de imitar as pessoas para me sentir menos estranha. Essa habilidade de criar personagens para cada evento social é algo inato em mim, um recurso de sobrevivência poderoso. Eu era uma menina que se sentia uma extraterrestre, foi preciso tentar se adaptar. O que não deu muito certo já que a escola continuou complicada, as pessoas cada vez mais perversas e o sentimento de ser estranha crescia cada vez mais.